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Enfeites de Vidro

Essa noite eu tive um sonho. Sonhei com a montagem de uma árvore de Natal. Nela, eu pendurava enfeites de vidro, cada um guardando um momento vivido ao longo do ano.

Haviam vidros de todos tipos: transparentes, coloridos, foscos, brilhantes, lisos, texturizados, finos, grossos, delicados, rústicos, resistentes. Cada enfeite carregava uma experiência, uma emoção, um aprendizado.

E durante essa montagem, por um momento, me peguei pensando no vidro.

Sim, nesse material que nasce do fogo, passa por transformações profundas e, quando esfria, não se fecha em si, ao contrário, aprende a conduzir a luz. Ele é simples e, ao mesmo tempo, sagrado: revela, protege, reflete. Me dei conta também, que cada tipo de vidro tem sua própria natureza. Alguns encantam pela delicadeza. Outros, como o vidro temperado, parecem fortes no centro e guardam sua fragilidade nas bordas.

E então pensei em nós. Também somos assim. Em certos pontos, somos pura resistência: a dor bate e não entra, a vida testa e encontra firmeza. Em outros, uma palavra mal colocada ou um toque mais intenso pode rachar por dentro. É curioso como força e fragilidade não brigam entre si: caminham juntas.

Seríamos então como cristais? Vibramos, reagimos ao ambiente, ao toque, à intenção? Bem, talvez, pois como eles, somos feitos de água, de memória, de sensibilidade. Sentimos quando a energia muda, quando o espaço pesa, quando o amor chega. O coração não entende discursos, entende verdade.

E ao montar meu presépio, me deitei ao lado da manjedoura e, dali, observei a árvore de Natal com os enfeites de vidro. Percebi que cada enfeite refletia a luz de um jeito diferente, dependendo do ângulo, da cor, da intensidade.

Vi que os mais frágeis brilhavam com uma beleza única quando tocados pela luz. Que os mais opacos revelavam cores escondidas quando iluminadas. Que até os trincados criavam desenhos fascinantes quando a luz passava por eles.

No topo da árvore, a estrela de vidro se tornava um prisma, espalhando luz em todas as direções e enchendo o ambiente de cor e vida.

Ali entendi: o Natal é um convite para deixar a luz nos atravessar de novo. Para acolher nossas rachaduras, não como falhas, mas como caminhos por onde a graça entra. Para lembrar que cada um carrega uma centelha divina, mesmo nos dias em que se sente cansado, apagado ou meio “fumê”.

Agora não sei mais se foi um sonho ou esse texto é a psicografia de que somos uma vidraçaria ambulante: alguns mais transparentes, outros ainda em polimento, outros reconstruídos depois de grandes quedas.

Mas de uma coisa não duvido: todos nós, sem exceção, carregamos uma luz única. E quando nos reunimos, quando essas luzes se encontram, algo sagrado acontece: a mesa inteira se ilumina. E nós também.

Por isso, desejo que neste Natal possamos escolher a luz certa. Não a mais forte, mas a mais honesta. Aquela que não apaga nossas fissuras, mas as atravessa. E que, ao olharmos uns para os outros à mesa, consigamos enxergar não apenas reflexos, mas presenças.

Texto desenvolvido a 4 mãos, com minha grande amiga Francielle, uma filósofa brilhante, com uma capacidade de compreensão ímpar, uma escrita incomum e uma organização exemplar.

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